quinta-feira, dezembro 30, 2004

Transcrito da Grande Reportagem de Agosto de 2004

DESCUBRA AS DIFERENÇAS

TEXTO PEDRO ALMEIDA VIEIRA FOTOGRAFIA PAULO BARATA

Aqui bem perto, na vizinha Andaluzia, território com uma dimensão geográfica idêntica à de Portugal Continental e com uma área florestal de cerca de 4,3 milhões de hectares, há mais de uma década que os incêndios deixaram de ser uma fatalidade. Entre 1995 e 2003, por exemplo, a Andaluzia perdeu menos floresta e mato do que Portugal em 24h de alguns dias de Agosto do ano passado. E qual é o segredo dos espanhóis? Simples: prevenção e mais prevenção, profissionalismo dos homens no terreno, rapidez e eficácia na intervenção.
É uma gestão exemplar, a uma só voz, das florestas e dos matos que são de todos.

Não fosse o grande incêndio de Rio Tinto no final do mês de Julho – que afectou nas províncias de Huelva e Sevilha uma superfície de quase 28 mil hectares –, e encontrar uma área queimada na Andaluzia seria tão complicado como descobrir uma agulha num palheiro. Exceptuando a zona que agora ardeu, a floresta desta comunidade espanhola é monocromática. Ao contrário da paisagem portuguesa – que ao longo dos anos tem visto o verde mesclar-se de negro -, pelas estradas secundárias andaluzas percorrem-se áreas arborizadas onde as mudanças cromáticas se fazem dentro de apenas uma gama, consoante as árevores em causa. Os pinheiros são sempre verdes, o sobreiros também, as azinheiras igualmente, os eucaliptos idem.

Com uma dimensão territorial praticamente idêntica a Portugal continental, um clima bastante quente e seco no Verão e uma área florestal e de matos que totalizam cerca de 4,3 milhões de hectares, tudo apontaria para que o flagelo dos incêndios estivais fosse uma constante na Andaluzia. E que os seus efeitos se tornassem tão catastróficos como no nosso país. Mas não são. Comparar, aliás, a situação nacional com a andaluza torna-se um exercício de masoquismo patriótico: desde 1995 até 2003 Portugal regista, em média por ano, quase 30 vezes mais fogos e fogachos e a área florestal afectada ultrapassa os 21 por cento contra menos de um por cento na Andaluzia. A área total ardida naquela região espanhola durante todo este período(50.617 hectares) chega a ser inferior àquela que se perdeu em Portugal em menos de 24h de alguns dos dias de Agosto do ano passado. Em semanas de maior canícula na Península Ibérica, verificam-se dias com mais incêndios e fogachos em Portugal que num ano inteiro na Andaluzia. Mesmo neste ano negro para a floresta andaluza, ardeu três vezes menos área do que em Portugal, cuja situação actual é até inferior ao habitual no último quinquénio.

Se as definições que surgem nos dicionários ainda têm algum significado, estes simples indicadores comparativos explicam por que um grande incêndio na Andaluzia se pode considerar uma fatalidade - ou seja, um acontecimento funesto, imprevisível ou inevitável, marcado pelo destino – e em Portugal similar epíteto já não se pode aplicar. A menos que se considere que seja apenas culpa do destino que, em menos de uma década, tenham ocorrido 24 incêndios, cada um com uma área ardida superior a cinco mil hectares, seis do quais registando a perda de mais de 20 mil hectares cada. Ou então que seja o luso fadário o responsável pelos fogos terem varrido, desde 1995, uma área equivalente a 15 por cento do território português, enquanto na Andaluzia essa cifra não atingiu sequer os 0,6 por cento.

A Andaluzia, é certo, poderia estar a assistir ao mesmo fado português, não fosse o caso de ter “acordado” para o drama dos incêndios florestais a tempo e horas. Em 1991, perante um balanço final “catastrófico”, a Junta da Andaluzia decidiu acabar com a dispersão de competência e o amadorismo da gestão florestal. As aspas são propositadas por este adjectivo se desenquadrar do contexto português. Na verdade, naquele ano arderam na Andaluzia somente 65 mil hectares - ou seja, cerca de um terço daquilo que foi dizimado, nesse período, no nosso país. Aliás, nos últimos 20 anos, esse saldo considerado “catastrófico” para os andaluzes apenas não foi superado em território português por quatro vezes ( em 1988, 1992, 1993 e 1997).

Mas as autoridades desta comunidade autonómica espanhola acharam que essa área afectada – se se verificasse agora em Portugal seria motivo de festejos para o Governo – justificava, desde logo, medidas drásticas. A primeira foi centralizar toda a gestão florestal – desde a prevenção até ao combate, passando pela vigilância – para uma única e nova entidade : a Consejería do Medio Ambiente, a entidade homóloga do Ministério do Ambiente portguês. “ Mesmo com críticas iniciais de alguns sectores, esta foi uma decisão política essencial, tomada pela Junta da Andaluzia, que trouxe evidentes vantagens na gestão, na coordenação e nos aspectos burocráticos do sector florestal”, diz José Guirado, director-geral da Gestão Ambiental da Andaluzia.

Não deixa de ser curioso fazer, mais uma vez, a comparação com a realidade lusitana. Depois de, no ano passado, terem ardido 480 mil hectares à dispersão nacional que já existia, juntou-se ainda a criação da Agência de Prevenção dos Incêndios Florestais, as Comissões Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios e o Conselho Nacional e Comissões Regionais das Áreas Ardidas. E, no meio disto, o Ministério do Ambiente portugês quase não é ouvido nem achado. Este Verão, o Governo de Santana Lopes até decidiu que o melhor governante para coordenar as questões relacionadas com os fogos florestais é o ministro das Cidades, José Luís Arnaut.

Ao invés, na Andaluzia, a centralização foi total e irreversível, mesmo se os anos seguintes à “catástrofe” de 1991 foram mais amenos – por exemplo, em 1992 e 1993 não chegou aos 20 mil hectares de área ardida. E mais, os andaluzes foram radicais: a floresta deixou de ser um assunto da Consejería da Agricultura, logo que em 1994 foi instituída a Consejería do Ambiente – que além dos sectores mais tradicionais neste sector abrangeu, além da floresta, a caça e a pesca nas águas interiores. “A nossa floresta representa uma riqueza da ordem dos 20.400 milhões de eurospor ano por via das suas diversas valências ambientais e ecológicas, daí a sua gestão estar nesta nova Consejería”, explica José Guirado.

Postura interessante esta, a da Junta da Andaluzia, se nos recordarmos que em Portugal até a gestão das florestas nas áreas protegidas quase esteve, no ano passado, para ser transferida do Ministério do Ambiente para o da Agricultura e o Governo.

Regressando à realidade da Andaluzia, a decisão de concentração de toda a gestão florestal na tutela do Ambiente trouxe efeitos notoriamente positivos. Com a aprovação de nova legislação de prevenção de incêndios florestais, em 1994 seria também formatada a pedra basilar da actual estrutura de prevenção e combate aos incêndios: o Plano Infoca. Os reforços nos investimentos do plano florestal – que fora aprovado em 1989 – começaram então a incidir sobretudo na prevenção e luta contra os incêndios, no planeamento slivícola e na restauração dos ecossistemas degradados. Por exemplo em 1999, os montantes investidos no sector florestal já eram o dobro em relação a 1990. Quase triplicaram na componente de prevenção, que passou a representar cerca de um terço de todo o investimento público andaluz para o setcor florestal. Este ano atingiu os 57 milhões de Euros, mais do que aquilo que é destinado ao combate contra os incêndios, que chega aos 43,1 milhões.

Mas não se pense que a Andaluzia descobriu qualquer poção mágica. A estratégia do Plano Infoca desta comunidade espanhola é de uma simplicidade desarmante e com objectivos básicos. “Ter poucos focos de incêndio e que sejam atacados rapidamente, de modo a que os fogachos não se transformem em grandes fogos. Para isso apostamos numa boa gestão preventiva, numa vigilância apertada e numa intervenção rápida nos primeiros minutos, com meios adequados”, salienta José Guirado.

Curiosamente, embora as verbas destinadas para a prevenção e extinção sejam bastante mais elevadas na Andaluzia, em termos de quantidade os meios humanos e materiais potencialmente disponíveis são maiores em Portugal. Por exemplo, este ano o Governo português anunciou que estariam envolvidos em acções de vigilância e prevenção cerca de 1500 militares, 800 sapadores florestais, dos quais 900 na rede nacional de vigia, 150 brigadas de voluntários ( com quatro elementos cada uma), entre outros grupos de trabalho, designadamente da Guarda-Florestal, Brigada Verde da GNR, vigilantes da Natureza e mesmo beneficiários do Rendimento Social de Inserção e jovens voluntários. Tudo isto envolveria cerca de cinco mil pessoas. Para além disso, as 444 corporações de bombeiros contam com a potencial ajuda de 41 mil voluntários para a extinção dos fogos, se bem que, na verdade, se restrinjam a pouco mais de três mil na época dos incêndios, a maioria dos quais contratados, diga-se que com suplementos salariais baixos e pagos a más horas. Tudo isto sem contar ainda com o pessoal, em número variável, do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil e da Direcção-Geral dos Recursos Florestais. E mesmo com os ministros, quando a calamidade se anuncia.

Ora na Andaluzia faz-se a festa com menos de quatro mil pessoas. Mas com uma garantia: todos estão disponíveis, porque são profissionais. Por isso, gastam mais, mas também ficam mais bem servidos. Além do pessoal adstrito à Junta da Andaluzia, a estrutura de prevenção, vigilância e combate do Plano Iunfoca conta com as contratações feitas pela empresa pública EGMASA. Contudo, os bombeiros florestais – ou melhor, os especialistas em extinção, como preferem ser denominados – são uma minoria nesta estrutura, não ultrapassando muito os 1700 elementos. Para quem não conhece in loco o sistema adoptado na Andaluzia – ou estiver “viciado” pela nossa estratégia nacional do “voluntário-porreirismo” – chega a ser surpreendente a quantidade de apoio e logística. Só condutores de veículos são quase 700, que servem não tanto para levar autotanques mas sim pessoal. Aliás, autotanques são coisas que se vêem pouco por aquela região. Nos cerca de duas dezenas de Centros de Defesa Florestal (CEDE-FO) – os locais onde estão concentrados a maioria dos meios humanos e técnicos de extinção – e nos centros operacionais (COP), em cada uma das oito províncias andaluzas, existem “apenas” 68 autotanques. Ao invés, os veículos disponíveis de transporte, sobretudo jipes, são mais de um milhar. A explicação para esta “idiossoncracia” andaluza é simples: os fogos não se apagam apenas com água e conta sobretudo uma rápida reacção. “O nosso objectivo é prever o risco, detectar com eficácia um sinistro e chegar ao local no máximo em 15 minutos para evitar que um fogacho se torne num fogo incontrolável”, salienta Francisco Salas, responsável máximo pelo Plano Infoca. E para isso, sim, a Junta da Andaluzia está muito bem apetrechada, quer em termos de capacidade de previsão, quer de vigilância, quer de intervenção rápida.

Em relação à previsão, no centro operacional e de coordenação do Plano Infoca, em Sevilha, está centralizada toda a informação on-line de metereologia, baseada numa rede específica de monitorização assente em 37 estações – que recolhem diversos dados, entre os quais a temperatura, humidade e radiação solar - , que fornece uma carta de risco de incêndio para toda a Andaluzia. “Diariamente ainda temos informações complementares executadas por uma empresa que tem acesso às cerca de duas mil estações metereológicas que estão integradas no programa Clima”, salienta Ernesto Esteso, subdirector do Plano Infoca. Além disso, em pontos elevados do território andaluz estão também instaladas 17 câmaras de visão infravermelha e de televisão de longo alcance para detectar alguma anomalia térmica que indique um foco de incêndio. No entanto, são as cerca de 230 torres de vigilância – algumas com mais de 30 metros de altura – que se tornam essenciais nesta estrutura, não somente para detectar os incêndios, como apontar com precisão o local de ocorrência.

Por exemplo, quando algum vigilante observa uma pluma de fumo, contacta o CEDEFO mais próximo, que por sua vez confirma essa ocorrência junto de pelo menos mais uma torre de vigilância. “Através dos graus que nos são indicados, no computador conseguimos definir as coordenadas exactas, podendo sobrepor uma carta totpográfica ou mesmo uma fotografia aérea. Neste processo, que demora um minuto, quando partimos a caminho do incêndio já sabemos aquilo que está a arder, se existem casas próximas, se temos de pedir meios suplementares e que caminhos existem nas proximidades”, afirma Carlos Rey, engenheiro florestal e responsável pelo CEDEFO de Valverde del Camino, na província de Huelva. E é na sua primeira fase de combate que se revelam as abissais diferenças entre a estratégia portuguesa e andaluza na luta contra os incêndios. Enquanto em Portugal são os autotanques e a água que são os meios de combate – por vezes demorando mais de meia hora a chegar ao local-, na Andaluzia são as moto-serras, as enxadas, os machados e outros utensílios, que diríamos agrícolas, os instrumentos mais usados na primeira fase de combate pelas brigadas de extinção.

Com uma disciplina quase militar, no bom sentido do termo, nenhum pormenor é descurado. O equipamento de protecção é um “detalhe” minuciosamente controlado: cada membro da brigada tem de estar vestido com roupa protectora, óculos e máscara com filtro especial anti-partículas, não esquecendo água para beber e um pequeno kit de primeiros socorros. “Se não estiver tudo adequado, esse elemento não segue para a frente de fogo e é responsabilizado tal como o seu capataz”, salienta o chefe do CEDEFO de Valverde del Camino. Na Andaluzia não há espaço para voluntarismos nem desvarios. “Os bombeiros portugueses são loucos”, diz Carlos Rey, quando lhe pedimos opinião sobre o facto de em Portugal ser habitual os nossos “heróis” irem para a frente de combate sem máscaras nem equipamewnto térmico, por vezes de manga curta. “A nossa prioridade é a protecção da vida humana, a começar pelo próprio especialista em extinção”, afirma este engenheiro florestal. Por isso mesmo existem regras metódicas que são escrupulosamente seguidas, a começar pela entrada e saída do helicóptero e mesmo no terreno de combate: seguem em fila indiana e sempre com os mesmos colegas à frente ou atrás, atacando em coordenação.

Nesta primeir fase, a brigada constituída, em geral, por sete elementos leva apenas ferramentas para executar uma linha de contenção do incêndio.

É, por isso, um trabalho sobretudo braçal, que quase não se vê em Portugal, cortandp matos – ou árvores se for necessário -, de modo a criar uma faixa que impeça o fogacho de progredir. Entretanto o helicóptero que os transportou – que tem uma bolsa com capacidade de cerca de mill litros – vai auxiliando no combate, colocando água numa faixa de contenção. “Deve começar a atacar-se um fogo pelas franjas, de modo a ir diminuindo a extensão da sua frente, que tem mais força. Se for possível, os meios aéreos podem ir tentando travar a zona mais forte, onde a água de uma mangueira tem pouca eficácia”, salienta Carlos Rey. Entretanto, caso se considere necessário, são enviados os meios terrestres e eventualmente, mais helicópteros ou aviões, com água ou retardantes. Esta é uma decisão de coordenação que, na maioria dos casos, é feita com o auxílio de helicópteros ou de aviões que sobrevoam a área do incêndio, recolhendo também dados metereológicos locais e comandando os meios terrestres.

Mas nos casos mais bicudos ou em focos de incêndio de difícil acesso, o Plano Infoca conta com quatro brigadas de reforço de elite – as BRICA -, cada uma constituída por 11 elementos escolhidos de entre os melhores especialistas em extinção. Estes elementos têm profundos conhecimentos em tácticas de cartografia, sobrevivência, estratégia e combate – como, por exmplo, a colocação de “bombas de extinção” e de execução de contrafogos além de uma forte preparação física. “Para se manterem nestas funções necessitam de mostrar qualidade e não descurarem a parte física, porque é um trabalho muito exigente”, diz – Paco Senra, um engenheiro florestal que chefia a brigada BRICA de Madroñalejo, na província de Sevilha. Para isso, os treinos são diários e acompanhados por um preparador físico. Também os outros especialistas de extinção recebem bastante treino, tanto mais que anualmente podem ter a oportunidade de subir para as brigadas BRICA. No meio desta azáfama, há também tempo para a descontracção, mas sem bebidas alcoólicas à mistura nem ausências para o café mais próximo. Além disso, depois de uma intervenção no terreno há ainda que fazer o rescaldo, no terreno e na sala de formação. “É importante avaliar aquilo que correu bem e o que poderia ter sido mais bem executado”, assume Paco Senra. Eis uma das elementares vantagens do profissionalismo. Mais uma vez é interessante comparar com a realidade poruguesa: há uns anos esteve para se fazer uma avaliação exaustiva sobre a eficácia do combate dos bombeiros portugueses – para corrigir erros -, mas o estudo foi boicotado. Ninguém quis apontar o dedo aos “heróis” da Nação.

Observando uma simulação das técnicas de combate destes homens – durante os dias em que a GR esteve na Andaluzia não houve incêndios, apesar de alguns períodos de intenso calor -, facilmente se constata que por mais heróicos que sejam os nossos bombeiros, eles estão a “anos-luz” da eficácia e preparação técnica e física dos “bombeiros” andaluzes. Aliás, no Plano Infoca não se querem actos heróicos, por isso, e só em situações excepcionais se chegam às 14 horas ininterruptas de combate, seguindo-se-lhes um mínimo de 10 horas de descanso. “Ultrapassar esse limite não só se torna perigoso como o desempenho se torna fraco”, defende Carlos Rey. Mesmo quando os meios logísticos, em especial alimentação e bebidas, são levados a sério. Até porque no combate dos incêndios os “bombeiros” andaluzes não podem contar com as dádivas das populações pois estas ficam bem longe do “teatro das operações”podendo mesmo ser evacuadas por precaução. Não há também qualquer tipo de ajuda por parte dos bombeiros urbanos-também profissionais -, a menos que um incêndio se aproxime de zonas habitacionais, situação em que então intervêm exclusivamente para as proteger.

Óbviamente tudo isto só é possível porque o sistema é profissional, bem organizado e relativamente bem pago para os padrões nacionais. O salário mais baixo – por exemplo, de um vigilante – ronda os 800 euros por mês, sendo que a remuneração de um elemento de brigada BRICA ascende aos 1200 euros e a dos outros “bombeiros” pouco menos. Por agora, o convénio assinado entre os sindicatos e a Junta de Andaluzia estabeleceu a contratação deste pessoal durante nove meses em cada ano – sendo que na Primavera e Outono os trabalhos dirigem-se para o sector da prevenção e no Inverno recebem subsídio de desemprego -, mas pelas palavras do director-geral de Gestão Ambiental, José Guirado, a partir de 2007 deverá optar-se pela contratação durante todo o nao. Aliás, sintoma do elevado nível de profissionalismo deste sector está no simbólico facto de o convénio ser de tal pormenor que se desenrola ao longo de um livro de formato A5 com 145 páginas.

Uma questão essencial nesta luta contra os incêndios passa também pela chefia e coordenação, bem diferente daquilo que ocorre em Portugal. No nosso país, à medida que um incêndio cresce, vai havendo troca da chefia – por vezes três ou mais –, ao ponto de os maiores fogos acabarem por ser coordenados por alguém que nem sequer conhece a área e está a dezenas de quilómetros de distância. “Na Andaluzia há uma única voz de comando, que é o da primeira pessoa que assume a coordenação inicial. Se as coisas se complicam podem acorrer ourtos responsáveis mas mesmo que possuam um posto hierárquico superior, nesse incêndio têm apenas uma função de assessoria”, revela Carlos Rey. A eficácia desta estratégia não se reflecte apenas na redução da área afectada pelos maiores incêndios, mas também na reduzida percentagem de focos de incêndio que ultrapassam um hectare. Em 1992, antes da profissionalização e do Plano Infoca, cerca de 40 por cento dos focos transformavam-se em áreas ardidas superiores a um hectare.Actualmente, essa cifra pouco ultrapassa os 20 por cento. “São taxas de eficiência extremamente boas”, diz Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa. “Em termos climatéricos e de densidade demográfica, e portanto de risco de incêndio, a Andaluzia tem características muito semelhantes ao Algarve, Beira Interior e Algarve, entre 35 e 60 por cento dos fogachos, consoante os distritos, tornam-se incêndios com mais de um hectare ardido. Alguns deles transformam-se em incêndios devastadores que duram vários dias e devoram dezenas de milhares de hectares, indiferentes às centenas de bombeiros, de autotanques e meios aéreos que então acorrem. Aliás, nas notícias portuguesas que reportam que um determinado incêndio está a aser combatido por mais de uma centena de bombeiros, é certo e garantido que está fora de controlo, que arderam várias centenas de hectares, podendo atingir vários milhares, se não for controlado ao fim do primeiro dia. Exemplo disso verificou-se já este ano, em que alguns incêndios alegadamente “circunscritos” continuavam a lavrar em florestas e matos. No ano passado, esta situação ficou bem patente, sabendo-se que, de acordo com os dados da Direcção-Geral das Florestas, 90 por cento da área dizimada se deveu aos incêndios que não conseguiram ser extintos nas primeiras seis horas.

A rápida intervenção e as técnicas dos especialistas andaluzes no combate aos incêndios seriam, no entanto ineficazes se a sua floresta estivesse no estado em que se encontra a floresta portuguesa. “Em Portugal, regra geral, não existe controlo de matos nem áreas de menor densidade de arvoredo que permita que, em caso de incêndio, a propagação seja lenta e os bombeiros consigam controlá-lo fácilmente”, afirma Cardoso Pereira. “Nessas condições, um incêndio pode calcinar tudo”, acrescenta. Neste aspecto, percorrer as florestas andaluzes é quase um regalo. Salta à vista as diferenças com a situação nacional. Mesmo em povoamentos bastante densos, as faixas de corta-fogos estão bem delineadas nas linhas de cumeada, os caminhos estão limpos e com menor densidade de arvoredo nas zonas adjacentes ou com um correcto controlo dos matos em algumas faixas estratégicas. Mesmo em áreas extremamente densas – como são exmplo os magníficos sobreirais com mais de 150 mil hectares do Parque Natural Los Alcornocales – notam-se cuidados especiais na prevenção. “A vigilãncia é apertada, mas também é essencial a criação de áreas de menor densidade e de controlo dos matos”, salienta José Luís Vila, um engenheiro florestal galego que é coordenador do CEDEFO de Alcala de los Galuzes, integrada nesta área protegida andaluz.

No entanto, a Junta da Andaluzia está preocupada com a “ovelha negra” da sua floresta: o eucalipto. “As importações da América do Sul tiraram a rentabilidade económica dos eucaliptais que estão a ser abandonados e que estão a transformar-se num autêntico barril de pólvora”, salienta José Guirado. Aliás, um dos grandes responsáveis pela rápida propagação do incêndio de Rio Tinto foi exactamente a área abandonada de eucaliptal na fronteira entre as províncias de Huelva e Sevilha. Em parte devido à elevada secura e aos ventos fortes, a velocidade de propagação chegou a atingir os 15 quilómetros por hora.

Mas o Plano Infoca tem procurado, de todas as formas, contrariar o absentismo dos proprietários florestais e promover o associativismo. Além dos subsídios para a prevenção, desde o final de 2001 passou a ser aplicada uma taxa de extinção dos fogos florestais. Ou seja, as intervenções em caso de incêndio são parcialmente pagas pelos proprietários afectados, independentemente da causa e início dos incÊndios. Por exemplo, num incêndio maior do que mil hectares, essa taxa – que será paga de modo proporcional pelos proprietários, o que implica um cadastro actualizado, aspecto que em Portugal não existe – pode atingir um máximo de 12 mil euros. Mesmo que seja apenas um fogacho, o proprietário terá de arcar com uma factura de 120 euros. Contudo, para quem estiver integrado numa associação florestal beneficiará de uma bonificação de 25 por cento, e se tiver executado um plano de prevenção, previamente aprovado e fiscalizado, terá direito a um desconto acumulável de 75 por cento. Ou seja, nada pagará. “Nessas condições, o mais provável é a área não arder, que é o noso objectivo”, salienta José Guirado.

Embora com poucos incêndios e fogachos – este ano ainda nem sequer chegaram às 600 ocorrências -, a Junta da Andaluzia procura cada vez mais, reduzir a fasquia. Até porque o incendiarismo é, em termos proporcionais , bastante elevado, representando cerca de 35 por cento das causas dos fogos. Só no ano passado foram detidas cerca de 200 pessoas por fogo-posto – aliás, muito mais do que em Portugal. A razão para este elevado número de detenções tem a ver com a apurada investigação das brigadas especiais do Plano Infoca, em colaboração com a Guarda Civil, que “escrutinam” todos os incêndios e fogachos – e não apenas os maiores que 100 hectares, como acontece em Portugal. Outra prioridade tem ido para o controlo das queimadas, causa de dez por cento dos incêndios andaluzes durante a ultima década. “Todas essas actividades passaram a estar interditas durante o Verão e nos restantes meses somente podem ser feitas com autorização prévia. Quem transgride é multado”, salienta José Guirado. No caso da queima do restolho em área agrícolas, houve uma solução ainda mais eficaz. “Passaram a ser proibidas e, se se verificarem, suspendem-se os apoios comunitários”, afirma este director-geral.

Existem muitas mais medidas desenvolvidas pelas autoridades andaluzas em matéria de planeamento, prevenção e combate aos fogos florestais. Pelos resultados que a Junta da Andaluzia conseguiu em poucos anos, porque teve coragem e empenho político, talvez valesse a pena contratar um tradutor e começar por copiar a lei e respectivo regulamento de prevenção e luta contra os incêndios andaluzes e acabar com o voluntarismo que se tem traduzido na delapidação da nossa floresta e da outrora bela paisagem portuguesa. Talvez fosse tempo ver que de Espanha podem não vir bons ventos nem bons casamentos, mas podem surgir bons ensinamentos.

DUAS RESPOSTAS PARA O MESMO PROBLEMA

O acaso fez com que, este ano, o maior incêndio de Portugal – na serra do Caldeirão – e da Andaluzia dizimassem a mesma área total : cerca de 28 mil hectares.Vale a pena , por isso, comparar as respostas de ambos os governos à calamidade. No caso nacional para já, o Conselho de Ministros aprovou – não só para a serra do Caldeirão mas também para outras zonas afectadas, um montante de apoio de 5,5 milhões de euros, além da promessa de ajudas às famílias e aos pensionistas que perderam as suas fontes de rendimento, através do pagamento imediato de subsídios de natureza complementar e outros apoios sociais de carácter eventual.

Por seu turno, a Consejería do Ambiente da Andaluzia já garantiu uma verba de 38 milhões de euros, no âmbito do Plano de Emergências, para a recuperação das áreas ardidas, cujo programa será aprovado ainda este mês, para além de um investimento de seis milhões de euros para obras de abastecimento de água às populações afectadas. Além disso, para reparação de bens imóveis foi disponibilizada uma verba de 700 mil euros, além de se estar a preparar um pacote de medidas fiscais e a criar eauipas técnicas de apoio para acelerar os trâmites das ajudas. Também começaram a ser feitas contratações para as tarefas de recuperação, que deverão envolver 150 pessoas da região afectada.

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