Nos últimos tempos, a interrupção das férias tornou-se o acto político por excelência. O acto de entrar em férias, aliás, passou a ter todo um outro significado a partir do momento em que a classe política descobriu o potencial de merchandising directamente relacionado com essoutro acto sublime, de altruismo incondicional e nobre amor à pátria que consiste em Interromper as Férias.
A própria sonoridade da expressão, aliás, tem um je ne sait quoi de pré-parto, relação vaga com o romper das águas. A classe política passou a encarar o acto de partir para férias, tão caro, quiçá sagrado, para a generalidade de todos nós, portugueses, como uma antecâmara de estadia provisória ou preparação iniciática para a entrada triunfal em todo um outro iluminado estado de consciência, prenhe de tiques de liderança e impulsos de auto-sacrifício que é revelado precisamente no acto de interromper essas mesmas férias.
O arranque para esta nova abordagem terá partido do próprio Mário Soares, no dia do seu aniversário, ao anunciar públicamente a sua retirada da vida política activa vociferando um rotundo e ensurdecedor Basta!, dado não se sentir com fôlego suficiente para apagar as oitenta e três velas do seu bolo de aniversário. (Diz-se à boca pequena, nos soturnos e sombrios corredores do poder, que alguém da facção Socrática terá acrescentado mais uma vela ao bolo sem saber que outra facção, a de Alegre, já teria acrescentado outras duas velas por seu lado. Só para chatear.)
Eis que poucos meses decorridos interrompe o seu afastamento da vida política activa, leia-se férias, para se apresentar como O Candidato presidencial da esquerda unida.
No entanto, curiosamente, a utilização e manuseamento deste novo potencial denominado Interromper as Férias, não é encarado unânimemente por todos os intervenientes. Há, por exemplo, quem encontre mais força na mensagem contida na opção de Não Interromper as Férias do que no acto sublime de interrompê-las. José Sócrates concluiu que o Acto Político mais forte, com mais potencial de merchandising, seria providenciar para que o cargo de 1º Ministro fosse exercido por António Costa durante o período dos incêndios em Portugal, visto ter preferido não interromper as suas férias.
Já Jorge Sampaio não.
O presidente da república optou claramente pelo auto sacrifício ao interromper as suas férias para melhor se inteirar, in loco, dos arrasadores resultados provocados pelos incêndios na mancha verde do território nacional, já que os seu dez anos/dez verões de Portugal ardendo foram insuficientes para que, como Chefe de Estado que foi e é, diligenciasse tomar medidas definitivas para acabar com esta tragédia.
Até o próprio presidente da Comissão Europeia, a passar o fim das suas férias no norte do país, não hesitou em interromper as suas férias, fazendo questão inclusive em mencioná-lo, para assim poder dar um pulinho ao incêndio mediáticamente mais relevante e geográficamente mais próximo onde, subliminarmente, assinalou a importância de se ter um dos nossos no poder europeu para que a ajuda internacional no combate aos fogos nacionais se processe com rapidez.
terça-feira, agosto 23, 2005
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5 comentários:
Excelente!
eu começo a ansiar pela notícia de que teriam interrompido o trabalho, que parece ser - pelo menos para alguns - a única actividade que se lhes desconhece.
Eu acho que as Férias interrompidas é algo assim como uma espécie de Coito interrompido.
Pela lei mercantil vigente, os baldas e os incompetentes perdem direito a férias. Cuidado! O governo sabe muito de 'marketing', senã não tinha ganho as eleições.
BIC! É Bic Laranja e não Bi. Nada de confusões (quer ver que sou tão incompetente como 'eles'). Cumpts.
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